Entre as mulheres

Continuamos o nosso desafio de comentar cada frase, cada palavra da oração da ave-maria. Já vimos que começa com a saudação do anjo Gabriel: “Alegra-te, cheia de graça, porque o Senhor está contigo”. E continua com a explosão de alegria de Isabel: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre” (Lc 1,42). O que poderia significar este “entre as mulheres”?
            Meu amigo e confrade de congregação, Pe. Zezinho, já compôs centenas de músicas inspiradas. É difícil dizer que é mais bonita ou mais profunda. Mas, com certeza, uma delas ficará definitivamente marcada na memória dos cristãos. Quem não conhece “Maria de Nazaré, Maria me cativou. Fez mais forte a minha fé e por filho me adotou”. Pois bem, há nesta canção uma frase que pode até passar despercebida no cantarolar da canção, mas é de um significado muito profundo: “Em cada mulher que a terra criou, um traço de Deus Maria deixou…”. Pode até parecer meio exagerado, mas Maria é um modelo, uma referência, um ícone do humano e, principalmente do feminino.
            Toda a tradição cristã reconhece em Maria a “nova Eva”. Santo Irineu, já no século II costumava dizer que “o nó da desobediência de Eva foi desfeito pela obediência de Maria”. Faz algum tempo que estive em Portugal e fui convidado para presidir a oração do terço na capela das aparições, em Fátima. Ao terminar, uma senhora aproximou-se gentil e, num sorriso, disse com simplicidade: - “Senhor padre, percebi que vocês brasileiros rezam ‘ave Maria’ e não ‘avé Maria’. Seria mais adequado colocar um acento no ‘avé’, para lembrar que Maria é o contrário de ‘Eva’”. Aquilo ficou na minha cabeça. Algum tempo depois o Papa João Paulo II lançou a carta sobre o Rosário (Rosarium Virginis Mariae) e lá estava: “A repetição da Avé Maria no Rosário sintoniza-nos com este encanto de Deus” (nº 33).

            Maria é apresentada na Bíblia como a bendita entre todas as mulheres. O evangelista São Mateus nos surpreende e deixa como que desconcertados. Seria de esperar que ele colocasse na genealogia de Maria mulheres santas e famosas como Sara, Rebeca, Lia e Raquel, esposas dos patriarcas. Ao invés disso o texto de Mateus 1,1-16 cita entre os ascendentes de Jesus quatro pecadoras: Tamar, Raab, Rute e Betsabé. Tamar não tinha filhos e por isso fingiu-se de prostituta para seduzir seu sogro, Judá (Gn 38); Raab é uma prostituta famosa em Jericó (Js 2); Rute é pagã e moabita (Rt 4,17); e Betsabé é a conhecida esposa de Urias com  a qual aconteceu o pecado de Davi que gerou Salomão. Como podemos observar, é nesta história de pecado que Maria aparece para colaborar com seu “sim” na salvação da humanidade. Por isso podemos dizer que ela é “bendita entre as mulheres”. Se trazemos em nossa carne a marca do pecado das origens; trazemos a memória de Adão e Eva; também podemos dizer que ficamos marcados pelo sim de Maria; trazemos a memória da obediência de Jesus que nos salvou. 

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