Ano A - Mateus 9,9-13

 SÃO MATEUS APÓSTOLO E EVANGELISTA

Festa

– Correspondência de São Mateus à chamada do Senhor. A nossa correspondência.

– A alegria da vocação.

– Uma vocação essencialmente apostólica.

São Mateus, Apóstolo e Evangelista, nasceu em Cafarnaum, e quando Jesus o chamou para fazer parte do grupo dos Doze, exercia o ofício de cobrador de impostos. A Tradição é unânime em reconhecê-lo como o autor do primeiro Evangelho, escrito em arameu e traduzido pouco depois para o grego. Segundo a Tradição, pregou e sofreu o martírio no Oriente, provavelmente na Pérsia.

I. SÃO MARCOS, SÃO LUCAS e o próprio São Mateus narram a vocação deste Apóstolo imediatamente após o relato da cura do paralítico de Cafarnaum. Provavelmente no mesmo dia ou no dia seguinte, Jesus dirigiu-se às margens do lago seguido por uma grande multidão1. E no caminho passou pelo lugar onde se pagavam os tributos pela circulação de mercadorias de uma região para outra. Cafarnaum, além de um pequeno porto de mar, era uma cidade fronteiriça da região da Peréia, situada do outro lado do Jordão.

Mateus, como publicano, estava ao serviço de Herodes e, sem ser funcionário, era arrendatário de impostos. Esse ofício era mal visto e mesmo desprezado pelo povo, embora também fosse muito cobiçado porque permitia enriquecer-se em pouco tempo. Mateus devia ter uma boa posição, pois pôde oferecer um grande banquete em sua casa, de que participou grande número de publicanos e outros, que estavam sentados à mesa com eles2.

Passando Jesus, convidou-o a segui-lo. E ele, levantando-se, seguiu-o3. Foi uma resposta rápida e generosa. Mateus, que certamente conhecia o Mestre de outras ocasiões, devia estar à espera desse grande momento, pois não duvidou à primeira insinuação em deixar todas as coisas para seguir Jesus. Só Deus sabe o que viu em Mateus naquele dia, e só o Apóstolo sabe o que viu em Jesus para deixar imediatamente a mesa dos impostos e segui-lo. “Ao manifestar uma decisão pronta e ao desprender-se tão subitamente de todas as coisas da vida, Mateus testemunhava muito bem, pela sua perfeita obediência, que o Senhor o tinha chamado no momento oportuno”4.

O instante e a situação em que o Senhor se insinua numa alma e lhe pede uma entrega sem reservas são os que Deus previu na sua Providência, e são portanto os mais oportunos. Umas vezes, será em tenra idade e, para essa pessoa, esse será o melhor momento para seguir a chamada do Senhor. Outras, Cristo chama na maturidade e nas circunstâncias mais diversas, de família, trabalho, saúde, etc. Com a vocação, Deus concede a graça necessária para se responder prontamente e para sempre. Além disso, pode acontecer que, quando se diz não ao Senhor, na esperança de dizer-lhe sim mais adiante, num tempo que subjetivamente pareça mais oportuno, esse momento não se apresente, porque toda a resistência à graça endurece o coração5. Também é possível que o Senhor não passe uma segunda vez: que a chamada amorosa não volte a repetir-se. Isto levava Santo Agostinho a animar todos os fiéis a corresponderem à graça quando Deus a dá; e acrescentava: Timeo Iesum praetereuntem et non redeuntem, temo que Jesus passe e não volte6.

O Mestre fixa o seu olhar em todos nós, seja qual for a nossa idade e condição. Sabemos bem que Jesus passa perto da nossa vida, que nos olha e se dirige a cada um de nós de maneira singular. Convida-nos a segui-lo mais de perto e ao mesmo tempo – na maior parte dos casos – deixa-nos onde nos encontrávamos: no meio da sociedade, do trabalho, da família... “Pensa no que diz o Espírito Santo, e enche-te de pasmo e agradecimento: «Elegit nos ante mundi constitutionem» – escolheu-nos antes de criar o mundo –, «ut essemus sancti in conspectu eius!» – para que sejamos santos na sua presença.

“Ser santo não é fácil, mas também não é difícil. Ser santo é ser bom cristão: parecer-se com Cristo. – Aquele que mais se parece com Cristo, esse é mais cristão, mais de Cristo, mais santo.

“– E que meios temos? – Os mesmos dos primeiros fiéis, que viram Jesus ou o entreviram através dos relatos dos Apóstolos ou dos Evangelistas”7.

II. PARA CELEBRAR e agradecer a sua vocação, São Mateus deu um grande banquete, ao qual convidou os seus amigos, muitos dos quais eram tidos por pecadores. Esse gesto reflete a alegria do novo Apóstolo pela sua vocação, que é um grande bem e que deve alegrar-nos sempre.

Se reparamos apenas na renúncia que todo o convite de Deus para segui-lo com passo mais firme traz consigo, se nos detemos apenas no que é preciso deixar e não no dom de Deus, no bem que Ele vai realizar em nós e através de nós, pode acometer-nos a tristeza do jovem rico, que não quis deixar as suas riquezas e se retirou triste8; pensou apenas nas coisas que deixava, e não chegou a conhecer a maravilha de estar com Cristo e de ser instrumento para coisas grandes. “Talvez ontem fosses uma dessas pessoas amarguradas nos seus sonhos, decepcionadas nas suas ambições humanas. Hoje, desde que Ele se meteu na tua vida – obrigado, meu Deus! –, ris e cantas, e levas o sorriso, o Amor e a felicidade aonde quer que vás”9.

A vida de quem foi chamado por Cristo – e todos nós o fomos – não pode ser como a daquele personagem que Jesus menciona quando já parece ter concluído a parábola do filho pródigo: o irmão mais velho que permaneceu na casa paterna, que foi um bom trabalhador, que não saiu dos limites da fazenda, que foi fiel..., mas sem alegria, sem caridade para com o irmão que por fim acabava de voltar. É a imagem viva do justo que não consegue compreender que a possibilidade de servir a Deus e gozar da sua amizade e presença é já uma contínua festa. Não entende que a recompensa já se encontra no próprio serviço a Deus, que servir é reinar. Deus espera de nós um serviço alegre, não de má vontade nem forçado, porque Deus ama aquele que dá com alegria10. Quando servimos o Senhor, quando dizemos sim às suas chamadas, sempre temos suficientes motivos de festa, de ação de graças, de alegria.

São Mateus converteu-se numa testemunha excepcional da vida e dos atos do Mestre. Um pouco mais tarde, seria escolhido como um dos Doze que seguiriam o Senhor em todos os seus passos: escutou as suas palavras, contemplou os seus milagres, esteve entre os íntimos que celebraram a Última Ceia, assistiu à instituição da Eucaristia, ouviu o testamento do Senhor centrado no preceito do Amor e acompanhou Cristo no Horto das Oliveiras, onde começaria, com os outros discípulos, um calvário de angústia, especialmente por ter também abandonado Jesus. Depois, muito poucos dias depois, saboreou a alegria da Ressurreição e, antes de Ascensão, recebeu o mandato de levar a Boa Nova até os confins da terra. Mais tarde, também com os discípulos e a Santíssima Virgem, recebeu o fogo do Espírito Santo no dia de Pentecostes.

Ao escrever o seu Evangelho, reviveu sem dúvida todos os gratos momentos passados ao lado do Mestre. Compreendeu que a sua vida tinha valido a pena. Que diferença se tivesse ficado naquela manhã agarrado ao telônio dos impostos e não tivesse seguido Jesus que passava! A nossa vida, bem o sabemos, só vale a pena se a vivermos junto de Cristo, com uma correspondência cada vez mais fiel..., se soubermos responder a cada apelo de Jesus com sim pronto e alegre.

III. AO BANQUETE oferecido por Mateus assistiram os seus amigos e muitos conhecidos. Alguns eram publicanos. Os fariseus e escribas murmuravam entre si e diziam aos discípulos de Jesus: Por que comeis e bebeis com os publicanos e pecadores?11 São Jerônimo, numa nota à margem do texto e em tom jocoso, anota que aquilo deve ter sido um festim de pecadores.

O Mestre assistiu ao banquete em casa do novo discípulo. E deve tê-lo feito de bom grado, com gosto, aproveitando aquela oportunidade para conquistar a simpatia dos amigos de Mateus. E aos comentários mal-intencionados dos fariseus, respondeu-lhes com um ensinamento cheio de sabedoria e simplicidade: Os sãos não têm necessidade de médico, mas sim os enfermos12.

Muitos dos assistentes ao banquete sentiram-se acolhidos pelo Senhor, e é provável que, decorrido algum tempo, tivessem recebido o batismo e passado a ser cristãos fiéis. O Senhor ensina-nos com o seu exemplo a estar abertos a todos para ganhar a todos. “O diálogo de salvação não ficou condicionado pelos méritos daqueles a quem se dirigia, nem pelos resultados favoráveis ou contrários: Os sãos não têm necessidade de médico, mas sim os enfermos... O diálogo de salvação abriu-se, é oferecido a todos; abriu-se para todos os homens sem discriminação alguma...”13

Ninguém pode ser-nos indiferente; quanto maior a necessidade, maior deve ser o nosso empenho apostólico, maiores os meios sobrenaturais e humanos que temos de empregar. Vejamos agora na nossa oração se mantemos um trato acolhedor com todas as pessoas, mesmo com aquelas que parecem estar mais longe das nossas idéias e do nosso modo cristão de pensar e de ver a vida.

“Tens razão. – Do alto do cume – escreves-me –, em tudo o que se divisa (e é um raio de muitos quilômetros), não se enxerga uma única planície; por detrás de cada montanha, outra ainda. Se em algum lugar a paisagem parece suavizar-se, mal se levanta o nevoeiro, aparece uma serra que estava oculta.

“É assim mesmo, assim tem que ser o horizonte do teu apostolado; é preciso atravessar o mundo. – Mas não há caminhos feitos para vós... Tereis que fazê-los, através das montanhas, à força das vossas passadas”14.

Agradeçamos hoje ao Apóstolo o Evangelho que nos legou. E peçamos-lhe, por intercessão da Virgem Maria, que saibamos também ir em busca dos nossos antigos amigos – e procurar sempre outros novos – para que conheçam o Mestre e se sentem à mesa com Ele. Que o Senhor nos torne audazes e nos dê espírito de conquista.

Meditações Diárias - Terça-Feira 19/09/2023

  24ª SEMANA ANO A - TEMPO COMUM

Primeira Leitura (1Tm 3,1-13)

Evangelho (Lc 7,11-17)


5. O RETORNO À VIDA

– Recorrer ao Coração misericordioso de Jesus em todas as necessidades da alma e do corpo.

– A misericórdia da Igreja.

– A misericórdia divina no Sacramento do perdão. Condições de uma boa confissão.

I. JESUS DIRIGIA‑SE a uma pequena cidade chamada Naim1, acompanhado dos seus discípulos e de uma grande multidão. Ao entrar na cidade, encontrou‑se com um grupo numeroso de pessoas que levavam para ser enterrado um defunto, filho único de uma mulher viúva, e é muito provável que se detivesse esperando que o cortejo fúnebre passasse. Então, olhando para a mãe, moveu‑se de compaixão para com ela.

Os Evangelistas referem em muitas ocasiões esses sentimentos do Coração de Jesus quando depara com a desgraça e o sofrimento; nunca se desvia deles. Ao ver a multidão – escreve São Mateus, relatando outro episódio semelhante – Jesus compadeceu‑se das multidões, porque eram como ovelhas sem pastor2; quando se encontra com o leproso que o procurava, compadeceu‑se dele e disse‑lhe: Quero; sê limpo3; quando a multidão o seguia, sem se preocupar com o alimento, apesar de que o dia ia declinando, disse aos seus discípulos: Tenho compaixão deste povo, e multiplicou os pães e os peixes4; quando viu perto dEle um cego, compadecido, tocou‑lhe os olhos e devolveu‑lhe a vista5.

A misericórdia é a atitude “própria de Deus” – afirma São Tomás de Aquino6 –, e manifesta‑se plenamente em Jesus Cristo tantas vezes quantas depara com o sofrimento. “Jesus revelou, sobretudo com o seu estilo de vida e com as suas ações, como o amor está presente no mundo em que vivemos, o amor operante, o amor que se dirige ao homem e abraça tudo aquilo que forma a sua humanidade. Esse amor faz‑se notar especialmente no contacto com o sofrimento, a injustiça, a pobreza, no contacto com toda a condição humana histórica, que manifesta de vários modos as limitações e a fragilidade, tanto físicas como morais, do homem”7. Todo o Evangelho, mas especialmente as passagens que nos mostram o Coração misericordioso de Jesus, devem mover‑nos a recorrer a Ele nas necessidades da alma e do corpo. Ele continua no meio dos homens, e somente espera que nos deixemos ajudar.

Senhor, ouve a minha oração, e chegue a ti o meu clamor. Não me escondas o teu rosto no dia da minha angústia. Inclina para mim o teu ouvido; quando eu te invocar, ouve‑me prontamente, recitam os sacerdotes na Liturgia das Horas de hoje8. E o Senhor, que nos escuta sempre, vem em nosso auxílio sem se fazer esperar.

II. JESUS, AO VER a mulher, movido de compaixão para com ela, disse‑lhe: Não chores. E aproximou‑se e tocou no esquife. E os que o levavam pararam. Então disse ele: Jovem, eu te digo, levanta‑te. E sentou‑se o que tinha estado morto e começou a falar. E Jesus entregou‑o à sua mãe.

Muitos Padres viram nesta mãe que recupera o filho morto uma imagem da Igreja, que também recebe os seus filhos mortos pelo pecado, prolongando assim a ação misericordiosa de Cristo. A Igreja, que é Mãe, com a sua dor “intercede por cada um dos seus filhos como fez a mãe viúva pelo seu filho único”9. Ela “alegra‑se diariamente – comenta Santo Agostinho – com os homens que ressuscitam nas suas almas. Aquele, morto corporalmente; estes, espiritualmente”10. Se o Senhor se compadece de uma multidão faminta, como não há de compadecer‑se de quem sofre uma doença da alma ou já traz em si a morte para a vida eterna?

A Igreja é misericordiosa “quando aproxima os homens das fontes da misericórdia do Salvador, das quais é depositária e dispensadora”11, especialmente da Eucaristia e do Sacramento da Penitência ou Reconciliação. “A Eucaristia aproxima‑nos sempre daquele amor que é mais forte do que a morte”, diz João Paulo II. E o sacramento da Penitência, continua o Papa, “aplaina o caminho a cada homem, mesmo quando está sobrecarregado com graves culpas. Neste sacramento, todos os homens podem experimentar de modo singular a misericórdia, isto é, aquele amor que é mais forte do que o pecado”12. É Jesus que passa novamente pelas nossas ruas e cidades e se apieda dos males de que padece esta humanidade enferma; que se apieda sobretudo dos homens vergados sob o peso do único mal absoluto que existe, o pecado.

A Sagrada Eucaristia é fonte de fortaleza, como o é o alimento em relação ao corpo. Conta‑se que, nos tempos antigos, um rei enviou de presente a um vizir árabe a espada que lhe tinha servido para vencer inúmeras batalhas. O agraciado quis experimentá‑la no primeiro combate em que entrou, mas, com grande surpresa sua, saiu derrotado. Mandou então dizer ao rei que estava decepcionado. Ao que o rei respondeu: “Eu te mandei a minha espada, mas não o meu braço”. A Sagrada Comunhão é o braço de Deus, é todo o seu poder, que atua dentro de nós e dá vigor à nossa capacidade de luta, multiplicando‑a.

Este é o pão que desceu do céu; não é como o pão que os vossos pais comeram e morreram. Quem come deste pão viverá eternamente13, disse o Senhor em Cafarnaum. A Eucaristia, quando a recebemos nas devidas disposições de alma e corpo, reforça em nós os mecanismos de defesa, ajudando‑nos a resistir às tentações e preservando‑nos sobretudo de cair num estado anêmico de tibieza que é fonte de mediocridade espiritual e, mais cedo ou mais tarde, de quedas que podem ser sérias. Perguntemo-nos se sabemos corresponder a essa prova da misericórdia de Deus procurando comungar assiduamente, com fé na graça do Sacramento. “Quantos anos comungando diariamente! – Qualquer outro seria santo – disseste‑me –, e eu, sempre na mesma!

“– Meu filho – te respondi –, continua com a Comunhão diária e pensa: Que seria de mim se não tivesse comungado?”14

III. A MISERICÓRDIA DE DEUS é infinita; inexaurível “é a prontidão do Pai em acolher os filhos pródigos que voltam para casa. São infinitas também a prontidão e a força do perdão que brotam continuamente do admirável valor do Sacrifício do Filho. Não há nenhum pecado humano que prevaleça sobre esta força ou sequer a limite. Por parte do homem, o que pode limitá‑la é somente a falta de boa vontade, a falta de prontidão na conversão e na penitência, isto é, a permanência na obstinação, que leva a opor‑se à graça e à verdade”15. Somente nós podemos impedir que o olhar misericordioso de Jesus, que cura e liberta, chegue ao fundo da nossa alma.

Na medida em que vamos conhecendo mais o Senhor e seguindo os seus passos, sentimos uma maior necessidade de purificar a alma. E o primeiro meio de que dispomos para consegui‑lo é esmerar‑nos em cada uma das nossas confissões, evitando a rotina, aprofundando no amor e na dor. Aprofundar como se cada confissão, sempre única, fosse a última; fugindo da precipitação e da superficialidade.

Para isso, devemos ter em conta as cinco condições necessárias para uma boa confissão, que é bom repassarmos de vez em quando para obtermos um fruto crescente desse instrumento da misericórdia divina: exame de consciência, humilde, feito na presença de Deus, descobrindo as causas e porventura os hábitos que motivaram as nossas faltas; a dor dos pecados, a contrição, com um sentido mais vivo da gravidade do pecado; o propósito de emenda concreto e firme, que muitas vezes é o melhor índice de uma boa confissão; a confissão dos pecados, que consiste numa verdadeira acusação da falta cometida, com o desejo de receber o perdão, e não um relato mais ou menos geral da situação da alma ou das coisas que nos preocupam; e cumprir a penitência, pela qual nos associamos ao sacrifício infinito de expiação de Cristo: essa penitência que o sacerdote nos impõe – tão mitigada maternalmente pela Igreja – não é simplesmente uma obra de piedade, mas desagravo, reparação e satisfação pelas culpas contraídas, em união com os sofrimentos de Cristo no Calvário.

Quando Jesus instituiu o sacramento da Penitência, tinha os seus olhos cheios de bondade postos em cada um dos que haveríamos de vir depois, nos nossos erros, nas nossas fraquezas e nas ocasiões em que iríamos talvez mudar‑nos para muito longe da Casa do Pai. E deixava‑nos ao mesmo tempo o sacramento da paciência divina, o sacramento em que o nosso Pai‑Deus se coloca todos os dias às portas da eternidade para esperar ansiosamente o regresso dos filhos que partiram.

Peçamos a Nossa Senhora, refúgio dos pecadores – nosso refúgio –, que nos ajude a aproximar‑nos do sacramento da Confissão cada vez mais bem preparados. E pensemos também na grande obra de misericórdia que levamos a cabo quando conseguimos que um amigo, um parente ou um conhecido recobre ou aumente, pela recepção deste sacramento, a Vida sobrenatural da sua alma.


Sacramento da Penitência

 Sacramento da Penitência


Para isso, devemos ter em conta as cinco condições necessárias para uma boa confissão, que é bom repassarmos de vez em quando para obtermos um fruto crescente desse instrumento da misericórdia divina: 

1- Exame de consciência, humilde, feito na presença de Deus, descobrindo as causas e porventura os hábitos que motivaram as nossas faltas; 

2- A dor dos pecados, a contrição, com um sentido mais vivo da gravidade do pecado; 

3- O propósito de emenda concreto e firme, que muitas vezes é o melhor índice de uma boa confissão; 

4- A confissão dos pecados, que consiste numa verdadeira acusação da falta cometida, com o desejo de receber o perdão, e não um relato mais ou menos geral da situação da alma ou das coisas que nos preocupam; 

5- E cumprir a penitência, pela qual nos associamos ao sacrifício infinito de expiação de Cristo: essa penitência que o sacerdote nos impõe – tão mitigada maternalmente pela Igreja – não é simplesmente uma obra de piedade, mas desagravo, reparação e satisfação pelas culpas contraídas, em união com os sofrimentos de Cristo no Calvário.

Quando Jesus instituiu o sacramento da Penitência, tinha os seus olhos cheios de bondade postos em cada um dos que haveríamos de vir depois, nos nossos erros, nas nossas fraquezas e nas ocasiões em que iríamos talvez mudar‑nos para muito longe da Casa do Pai. E deixava‑nos ao mesmo tempo o sacramento da paciência divina, o sacramento em que o nosso Pai‑Deus se coloca todos os dias às portas da eternidade para esperar ansiosamente o regresso dos filhos que partiram.

Peçamos a Nossa Senhora, refúgio dos pecadores – nosso refúgio –, que nos ajude a aproximar‑nos do sacramento da Confissão cada vez mais bem preparados. E pensemos também na grande obra de misericórdia que levamos a cabo quando conseguimos que um amigo, um parente ou um conhecido recobre ou aumente, pela recepção deste sacramento, a Vida sobrenatural da sua alma.

Meditação Diária - Segunda Feira 18/09/2023


TEMPO COMUM. VIGÉSIMA QUARTA SEMANA. SEGUNDA‑FEIRA

4. A FÉ DE UM CENTURIÃO

– A humildade, primeira condição para crer.

– O crescimento da fé.

– Humildade para perseverar na fé.

I. É POSSÍVEL que a cena narrada no Evangelho da Missa de hoje1 tenha acontecido ao cair da tarde, quando Jesus, tendo acabado de instruir o povo, entrou na cidade de Cafarnaum. Nesse momento, chegaram uns anciãos dos judeus que, aproximando‑se do Senhor, intercederam por um centurião cujo servo, que ele amava muito, estava à morte.

Este gentio surge aos nossos olhos como uma alma de grandes virtudes. É um homem que sabe mandar, pois diz a um soldado vai, e ele vai; e a outro: vem, e ele vem. E ao mesmo tempo tem um grande coração, sabe querer aos que o rodeiam, como é o caso desse servo doente, por quem faz tudo o que pode para que se cure. É um homem generoso, que tinha construído a sinagoga da cidade: faz‑se respeitar e querer, pois, como escreve São Lucas, os judeus que recorreram a Jesus insistiram dizendo‑lhe: Ele merece que lhe faças esta graça, porque é amigo da nossa nação.

Depois de ter recebido essas recomendações, Jesus pôs‑se a caminho. E quando já estava perto da casa, o centurião enviou uma nova embaixada ao Mestre para dizer‑lhe: Senhor, não te incomodes, porque eu não sou digno de que entres em minha casa. Foi por isso que nem eu mesmo me achei digno de ir ter contigo; mas dize uma só palavra e o meu servo será curado.

Esta fé cheia de humildade conquistou o coração de Jesus, de tal maneira que o Senhor ficou admirado; e, voltando‑se para a multidão que o seguia, disse. Em verdade vos digo que não encontrei tamanha fé em Israel.

A humildade é a primeira condição para crer; é o caminho amplo pelo qual se chega à fé e se colabora para aumentá‑la: abre‑nos a via de acesso a Jesus. Santo Agostinho, ao comentar esta passagem do Evangelho, diz que a humildade foi a porta por onde Jesus entrou para tomar posse daquilo que já possuía2.

Peçamos hoje ao Senhor uma sincera humildade que nos aproxime dEle, que aumente e fortaleça a nossa fé e que nos disponha a fazer em tudo a sua santíssima Vontade. “Confiaste‑me que, na tua oração, abrias o coração com as seguintes palavras: «Considero, Senhor, as minhas misérias, que parecem aumentar apesar das tuas graças, sem dúvida pela minha falta de correspondência. Reconheço a ausência em mim da menor preparação para o empreendimento que pedes. E quando leio nos jornais que tantos e tantos homens de prestígio, de talento e de dinheiro falam e escrevem e organizam para defender o teu reinado... olho para mim e vejo‑me tão ignorante e tão pobre, numa palavra, tão pequeno... que me encheria de confusão e de vergonha se não soubesse que Tu me queres assim. Ó Jesus! Por outro lado, sabes bem que coloquei a teus pés, com a maior das boas vontades, a minha ambição... Fé e Amor: Amar, Crer, Sofrer. Nisto, sim, quero ser rico e sábio, mas não mais sábio nem mais rico do que aquilo que Tu, na tua Misericórdia sem limites, tenhas determinado: porque devo pôr todo o meu prestígio e honra em cumprir fielmente a tua justíssima e amabilíssima Vontade»”3.

II. EM VERDADE VOS DIGO que não encontrei tamanha fé em Israel. Que elogio imenso! Com que alegria não teria o Senhor pronunciado essas palavras! Meditemos hoje como é a nossa fé e peçamos a Jesus que nos conceda a graça de crescer nela dia a dia.

Santo Agostinho ensinava que ter fé é “credere Deo, credere Deum, credere in Deum4, numa forma clássica entre os teólogos. Quer dizer: dar crédito a Deus, isto é, aceitar a sua autoridade que vem ao nosso encontro e se dá a conhecer; crer em todas as verdades que Deus nos comunica nesse encontro pessoal; e, por último, crer em Deus, amando‑o, confiar nEle sem medida. Progredir na fé é crescer nestas facetas.

O primeiro aspecto exige que tenhamos uma séria preocupação por melhorar a nossa formação doutrinal, por crescer no conhecimento de Deus. Um meio muito acessível de consegui-lo é sermos fiéis à prática da leitura espiritual – dez a quinze minutos por dia –, que nos permitirá adquirir ao longo dos anos todas as noções fundamentais de que necessitamos para assentar em bases firmes a nossa fé e a nossa piedade. Essa leitura deve abranger sucessiva ou alternadamente obras seguras sobre a espiritualidade cristã, teologia para leigos e documentos do Magistério pontifício relativos aos mistérios da fé e aos princípios morais.

O segundo aspecto implica crescer na relação pessoal com o Senhor, nosso Criador e Redentor, procurar diariamente o colóquio com Ele na oração, a plena união na Sagrada Eucaristia e depois a sua presença em tantas ocasiões no meio do trabalho, nas dificuldades e nas alegrias... É vê‑lo sempre muito perto da nossa vida diária5.

O terceiro aspecto é o coroamento e a fruição dos outros dois: é o amor que toda a fé verdadeira traz consigo. “Senhor, creio em ti e amo‑te, falo‑te, mas não como a um estranho, porque, ao relacionar‑me contigo, vou‑te conhecendo e é impossível que te conheça e não te ame; mas se eu te amo, vejo claramente que devo lutar por viver, dia após dia, de acordo com a tua palavra, a tua vontade e a tua verdade”6.

III. E, VOLTANDO PARA CASA, os que tinham sido enviados encontraram o servo curado.

Todos os milagres que Jesus fez procediam de um Coração cheio de amor e de misericórdia; nunca realizou um prodígio que ferisse alguém. Também não realizou nenhum milagre em proveito próprio. Vemo‑lo passar fome e não converter as pedras em pão, ter sede e pedir de beber a uma mulher samaritana, junto do poço de Jacó7. E quando Herodes lhe exige um prodígio, permanece em silêncio, muito embora soubesse que aquele homem podia libertá‑lo...

O fim dos milagres que o Senhor realizou foi o bem daqueles que se aproximavam dEle: para que creiam que Tu me enviaste8. As suas obras de misericórdia corporais transformaram‑se num bem muito maior para a alma. Por isso, naquela tarde, quando o centurião pôde ver curado o seu servo, o milagre uniu‑o mais a Jesus. Não nos custa admitir que, depois do Pentecostes, tenha sido um dos primeiros gentios a receber o Batismo, e que terá sido fiel ao Mestre até o fim dos seus dias.

A fé verdadeira leva‑nos à união com Jesus Cristo Redentor, com o seu poder sobre todas as criaturas, e confere‑nos uma segurança e uma firmeza que nos colocam ao abrigo de todas as circunstâncias humanas, de qualquer acontecimento que possa sobrevir. Mas, para termos essa fé, necessitamos também da humildade do centurião: sabermo‑nos nada diante de Jesus; não desconfiarmos nunca do seu auxílio, por mais que demore em chegar ou chegue de uma maneira diferente da que esperávamos.

Santo Agostinho afirmava que todos os dons de Deus podiam reduzir‑se a este: “receber a fé e perseverar nela até o último instante da vida”9. A humildade de saber que podemos trair a fé recebida, que somos capazes de separar‑nos do Mestre, ajudar‑nos‑á a não abandonar nunca o trato habitual com Ele, bem como esses meios de formação que nos ensinam a conhecer melhor a Deus e nos proporcionam os argumentos de que precisamos para dá‑lo a conhecer. O verdadeiro obstáculo para perseverar na fé é a soberba. Deus resiste aos soberbos e dá a sua graça aos humildes10. Por isso temos de pedir a humildade com muita freqüência.

Em Nossa Senhora encontramos essa união profunda entre a fé e a humildade. Santa Isabel, impelida pelo Espírito Santo, cumprimenta‑a com estas palavras: Bem‑aventurada és tu que creste... E o Espírito Santo coloca na boca da Virgem Mãe uma resposta que é um cântico de humildade: – Uma imensa felicidade embarga a minha alma, e todas as gerações me chamarão bem‑aventurada... Mas a razão última não é nada meu: Deus pôs os olhos na humildade da sua serva, abriu o meu coração e cumulou‑o de graças...11

Recorremos a Nossa Senhora para que nos ensine a crescer nesta virtude em que a fé assenta os seus alicerces firmes. “A Escrava do Senhor é hoje a Rainha do Universo. Quem se humilha será exaltado (Mt 23, 12). Saibamos colocar‑nos ao serviço de Deus sem condições e seremos elevados a uma altura inacreditável; participaremos da vida íntima de Deus, seremos como deuses!, mas pelo caminho regulamentar: o da humildade e docilidade ao querer do nosso Deus e Senhor”12.

(1) Lc 7, 1‑10; (2) cfr. Santo Agostinho, Sermão 46, 12; (3) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Forja, Quadrante, São Paulo, 1987, n. 822; (4) Santo Agostinho, Sermão 144, 2; (5) cfr. Pedro Rodríguez, Fe y vida de fe, EUNSA, Pamplona, 1974, págs. 124‑125; (6) ibid., pág. 125; (7) cfr. Jo 4, 7; (8) Jo 11, 42; (9) Santo Agostinho, Sobre o dom da perseverança, 17, 47; 50, 641; (10) Ti 4, 6; (11) cfr. Lc 1, 45 e segs.; (12) Antonio Orozco Delclos, Olhar para Maria, Quadrante, São Paulo, 1992.

Ano A - Mateus 9,9-13

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