quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Magnificat


Magnificat” é o título latino dado ao “Cântico de Maria”, o belo poema de Lucas 1, 46-56.
O poema é uma coletânea de versos extraídos do Antigo Testamento, tendo como pano de fundo o chamado “Cântico de Ana” (cf. I Sm 2,1-10).
E, nesse sentido, é poema de mulheres pobres, não só por marcar o encontro de Maria e Isabel, mas por se constituir em memória de um grupo que por nós precisa ser conhecido mais profundamente.
Ao atribuir o poema a Santíssima Virgem Maria, a comunidade de Lucas quer, entre outras coisas, afirmar que a jovem mãe fazia parte dos pobres de Deus.
Desde a época da destruição do país pela Babilônia, que aconteceu por volta de 587 a.C., o povo israelita começa a esperar o restaurador do reino davídico, o Messias.
Com o passar do tempo, vão se constituindo grupos e partidos, cada um com sua teologia própria, cada um esperando um messias que viesse satisfazer seus interesses. Começam a se formular compreensões diferentes dessa figura.
Os fariseus, por exemplo, aguardavam a chegada de um messias que viesse restaurar o reino davídico a partir da exigência do cumprimento total da Lei de Moisés. Os zelotas, por sua vez, aguardavam um messias guerrilheiro que expulsasse a dominação romana por meio de uma revolução armada.
Apesar dos poucos registros históricos, sabemos da existência de um outro grupo que se reunia para louvar ao Deus dos pobres, na espera de um messias que viesse do meio dos pobres, tal como havia profetizado Zacarias: “Eis que o teu rei vem a ti; ele é justo e vitorioso, humilde, montado sobre um jumento, sobre um jumentinho, filho da jumenta” (Zc 9,9). Trata-se dos ‘anawîm, os pobres de Deus.
Desse grupo faziam parte, provavelmente, Isabel e Zacarias, os pais de João Batista, justos diante de Deus (cf. Lc 1,5-6); o justo e piedoso Simeão, que aguardava a consolação de Israel (cf. Lc 2, 25); a profetiza Ana, com seus oitenta e quatro anos de sonho e esperança (cf. Lc 2, 36-38). E Maria, com seu noivo José, que também era justo, conforme Mateus 1,19.
O termo “justo” é um adjetivo frequentemente atribuído às pessoas participantes do grupo dos ‘anawîm. É notável a liderança das mulheres entre eles [‘anawîm]. Muito provavelmente em seus momentos de encontro, de oração, elas iam coletando frases do Antigo Testamento e compondo canções como o Magnificat.
Os capítulos iniciais do Evangelho de Lucas recolhem ainda o chamado “Cântico de Zacarias” (cf. Lc 1, 68-75), outro exemplo desses poemas. Nossa Senhora sabia de cor essas canções, elas eram a história do seu povo. Composição de mulheres que conhecem bem as Escrituras
Numa cultura na qual as mulheres não tinham acesso às letras, chama a atenção como, no Magnificat, se fazem presentes os textos bíblicos.
É evidente a força feminina na manutenção da história por meio da memória oral, visto que a escrita estava ligada a pequenos grupos, normalmente de homens detentores do poder. Assim percebemos como a Santíssima Virgem e as suas companheiras conheciam bem a história de seu povo e dela tiravam forças para lutar.
A principal fonte inspiradora do Magnificat é o “Cântico de Ana”, mulher estéril, por isso discriminada e humilhada. Na amargura, ela chora e derrama a sua alma diante de Deus (cf. I Sm 1,10.15). Mas sabe expressar a sua gratidão ao se tornar mãe de Samuel: “Eu o pedi ao Senhor” (1 Sm 1, 20).
Muito sabiamente, o redator de I Samuel a ela atribui o poema presente em 1Sm 2,1-10. “O meu coração exulta em Deus, a minha força se exalta, o arco dos poderosos é quebrado, os fracos são cingidos de força” (idem 1.4-5).
Entretanto, esse cântico [Magnificat] percorre vários livros do Antigo Testamento.
Isaías havia dito: “Transbordo de alegria em Javé, a minha alma se alegra, porque ele me vestiu com vestes de salvação, cobriu-me com um manto de justiça” (Is 61,10). Habacuc 3,18 diz algo semelhante: “Eu me alegrarei em Javé, exultarei no Deus de minha salvação”. A figura do “servo sofredor” também é retomada, quando o poema diz que o Senhor “socorreu Israel seu servo” (cf. Lc 1,54).
Em Maria acontece algo extraordinário: toda a sua alma concebe o Verbo de Deus, porque ela foi imaculada e isenta de vícios, guardou a sua castidade com pudor inviolável. Assim, com Nossa Senhora, engrandece ao Senhor aquele que segue dignamente a Jesus Cristo.
A Virgem humilde de Nazaré se torna a Mãe de Deus; jamais a onipotência do Criador se manifestou de um modo tão pleno. E o coração castíssimo de Nossa Senhora manifesta de modo transbordante a sua gratidão e a sua alegria. E então, canta: “A minha alma engrandece o Senhor e o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador”.
(Padre Bantu Mendonça K. Sayla (Canção Nova))


****   Maria é a flor mais bela que Deus plantou no jardim da humanidade. Ela floresce constantemente e o seu perfume e beleza nos fazem compreender a nossa missão: gerar a vida. Não podemos esquecer jamais a presença de Maria. Sem Maria não teríamos o mistério da encarnação. Através de Maria o mundo tomou outra direção: o Verbo se fez carne e habitou entre nós. Por isso é importantíssimo agradecer a Deus que quis ser presente entre nós com a cooperação de uma mulher. Na plenitude dos tempos, nos recorda Paulo, Jesus entrou no mundo através do sim de uma mulher.
A mulher na Escritura Sagrada assume o seu verdadeiro papel de grande, chamada a revestir com sua carne o Verbo eterno. Um privilégio que somente ela tem. Na bíblia, se é verdade que há um machismo tantas vezes duro e massacrante, se a mulher nem sempre tem valor aos olhos dos homens, devemos reconhecer que sempre ela tem um grande valor aos olhos de Deus. Num momento histórico de feminismo é bom meditar sobre a presença de Maria para que cada mulher se espelhe em Nossa Senhora e como ela seja uma ardorosa defensora da vida e do amor.
A mulher será feliz na medida em que assumir o seu lugar na história de cada dia, como geradora da vida em todos os sentidos, do biológico ao espiritual. Defensora da vida, aquela que foi dotada de tanta ternura e é capaz de amolecer qualquer coração empedernido no ódio e na vingança. Assim o homem deve contemplar Maria para saber que nenhuma mulher é objeto e que os direitos e deveres são iguais, que todos os caminhos são abertos tanto para o homem como para a mulher. E que a cada dia a mulher vai ocupando o seu lugar também dentro da Igreja.
É claro que pode ser que várias mulheres, diante desta minha afirmação, me perguntem logo: “e por que a mulher não pode ser sacerdote?” Ou “por que não pode ocupar outros cargos na hierarquia da Igreja?” Perguntas lícitas às quais o Papa João Paulo II deu a sua resposta em nome de toda a Igreja, e que é preciso esperar tempos mais maduros. Santa Edith Stein não vê nada em contrário, nem proibição divina para que a mulher não possa ser sacerdote... mas os tempos demoram e a vontade de Deus, para nós que temos fé, se manifesta pela orientação e palavra do Papa, que nos guia por caminhos de entrega e doação total de nós mesmos a serviço do Reino.
Viver numa atitude de fé. Não há dúvida porém que a encíclica do Santo Padre “Mullieris Dignitatem” e outros documentos apresentam a força evangelizadora da mulher dentro da Igreja. E todo ser, homem e mulher que seja, teve uma mãe que o criou e o revestiu com sua carne humana.
A minh’ alma engrandece o Senhor! Vamos redescobrir pessoal e comunitariamente a beleza do Magnificat, o cântico que Maria elevou ao Senhor depois de ouvir a saudação da sua prima Isabel, que a elogiava por ter tido fé: “bendita és tu que acreditaste! Donde me vem a dita de vir a mim a mãe do meu Senhor?” (cf. Lc 2,22). Como é bonito constatar que o elogio de Isabel a Maria não gera nela orgulho ou vaidade, mas uma extrema humildade. Ela tem consciência do amor de Deus, de ser escolhida por Ele para uma missão grandiosa, e tem plena consciência que o Senhor quer fazer dela o “primeiro sacrário vivo”, o primeiro ostensório. Toda mulher grávida é um ostensório que nos mostra o poder de Deus e uma Eucaristia viva, que é toda criança em gestação.
E Maria, diante de tudo isso, eleva ao Senhor o seu cântico de ação de graças. Feito de frases tiradas do Antigo Testamento, é uma maravilhosa colcha de retalhos bíblicos e um cordão finíssimo feito com fios de ouro tirados da história de tantas pessoas que, antes de Maria, souberam cantar a misericórdia de Deus.
Engrandecer o Senhor...
Quando o Senhor lhe inspirar esta oração de Nossa Senhora em sua meditação, você possa entrar no santuário interior, na morada profunda, como dizia Santa Teresa de Ávila, para reconhecer o que Deus fez em você.
Andamos agitados, preocupados, muito atarefados e mesmo nas nossas meditações somos mais preocupados com a forma que com o conteúdo. É necessário pedir o dom da simplicidade de engrandecer o Senhor presente em nós.
Não são as palavras, porquanto bonitas sejam, que podem dizer quem é Deus. Só a palavra feita vida nos manifesta a grandeza, a beleza de Deus. Como é belo ter nos olhos, no rosto, a luz do céu e a beleza do sol. Deus enche o nosso coração de tantas coisas bonitas. Não brilhamos com luz própria, mas com a luz de Deus. Maria é luz que brilha entre nós, mas mais do que luz ela é candelabro que sustenta a luz que é Cristo. A salvação não é algo mágico e não acontece porque fazemos orações ou pedimos, mas porque a palavra transforma a vida e percebemos que algo novo está acontecendo dentro de nós.
Deus olhou a humildade de sua Serva Será que no mundo de hoje tem espaço para a humildade? Para as coisas pequenas? Para os serviços humildes, insignificantes, que não dão ibope? Será que ainda sabemos apreciar a beleza das coisas que Deus coloca no coração para fazer, que não têm nenhuma referência e não dão status para ninguém? São perguntas que me questionam terrivelmente.
Maria nos fala de uma humildade existencial, de pobreza. Ela sabe que vale pouco, acredita no seu pouco valor, mas sabe também que, como pobre de Deus, não pode viver sem Ele, por isso, no seu dia a dia o busca, o invoca. Só os humildes e pobres são capazes de permanecer silenciosos, de mãos estendidas, esperando que alguém lhe coloque nas mãos uma esmola de amor e de dom: Deus gosta dos humildes.
Conclusão Maria, modelo de mulher feliz, de mãe feliz, é para todos nós ponto referencial que nos convoca a entrar na nossa intimidade e a cantar a Deus baixinho para que ninguém escute, mas com suavidade:


“Minha alma engrandece o Senhor
e rejubila meu espírito em Deus, meu Salvador,
porque olhou para a humildade de sua serva.
Eis que de agora em diante me chamarão feliz todas as gerações,
porque o Poderoso fez por mim grandes coisas:
O seu nome é santo.
Sua misericórdia passa de geração em geração
para os que o temem.
Mostrou o poder de seu braço
e dispersou os que se orgulham de seus planos.
Derrubou os poderosos de seus tronos
e exaltou os humildes.
Encheu de bens os famintos
e os ricos despediu de mãos vazias.
Acolheu Israel, seu servo,
lembrando-se de sua misericórdia,
conforme o que prometera a nossos pais,
em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre”.

Lc 1,46-55)

Por Frei Patrício Sciadini, ocd (comunidade Schlom)

 

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