A verdade, porém, é que "Jesus Cristo é o
mesmo ontem, hoje e sempre" (Hb 13, 8). Se os
primeiros cristãos completavam na sua carne o que faltava à paixão de Cristo,
conforme o testemunho da própria Escritura (cf. Cl 1, 24),
quem somos nós para agir de outra forma ou ainda sugerir o contrário? Afirmar
levianamente que o Evangelho poderia mudar com os tempos, ou que parte dele se
tornou "ultrapassada", é indício, na verdade, de uma grande
petulância, quando não de uma tremenda falta de fé. Ora, se Jesus de
Nazaré é verdadeiramente Deus e homem — como sempre acreditou a Igreja —, se
Ele é, de fato, "a Palavra única, perfeita e insuperável do Pai",
como diz o Catecismo (§ 65), como poderia a sua revelação ser considerada
insuficiente, incompleta ou adaptável? Estariam por acaso "fora de
moda" os ensinamentos do próprio Deus? Será que somos tão soberbos a ponto
de pretendermos corrigir o que Ele mesmo e os seus Apóstolos não só pregaram
como viveram?
Se ainda resta, portanto, um pouquinho de fé que
seja na cabeça de nossos contemporâneos, para confirmar o dever que temos
de reparar as ofensas cometidas por nós mesmos contra Deus, nada
melhor do que recordar o ensinamento sólido do Magistério da Igreja sobre esse
assunto.
A seguir, você encontra alguns trechos
preciosos da encíclica Miserentissimus
Redemptor [1], com a qual o Papa Pio XI deu à Igreja
universal a belíssima oração do "Ato de Reparação ao Sagrado Coração de
Jesus" (que também se encontra logo abaixo). Neste documento, o Santo
Padre responde, com a Tradição e as Sagradas Escrituras, aos principais
obstáculos que geralmente são colocados à prática da reparação, ajudando nossa
inteligência a compreender a teologia por trás dessa sadia devoção popular.
Ora, ainda que a copiosa
Redenção de Cristo abundantemente nos tenha "perdoado todos os nossos
pecados" (cf. Col 2, 13), em virtude daquela admirável
disposição da divina Sabedoria, pela qual se deve completar em nossa carne o
que falta às tribulações de Cristo por seu Corpo, que é a Igreja (cf. Col 1,
24), aos louvores e satisfações que Cristo, em nome dos pecadores,
ofereceu a Deus, não só podemos como, ainda mais, devemos acrescentar também os
nossos próprios louvores e satisfações.
[...] Mas como podem estes atos expiatórios consolar a Cristo, que reina
ditosamente nos céus? "Dá-me um coração que ame e entenderás o que
digo", respondemos com estas palavras de Santo Agostinho, tão convenientes
a este ponto.
Com efeito, quem ama verdadeiramente a Deus, se considera os fatos passados, vê
e contempla a Cristo trabalhando em favor do homem, sofrendo, suportando as
mais duras penas, quase desfeito sob o peso da tristeza, de angústias e
opróbrios "por nós homens e para a nossa salvação", "esmagado
por nossas iniquidades" ( Is 53, 5) e curando-nos com
suas chagas. Ora, quanto mais profundamente penetram as almas piedosas estes
mistérios, mais claro veem que os pecados e crimes dos homens, em
qualquer tempo perpetrados, foram a causa de que o Filho de Deus se entregasse
à morte; e ainda agora esta mesma morte, com suas mesmas dores e tristezas,
de novo Lhe é infligida, já que cada pecado renova a seu modo a Paixão do
Senhor: "Novamente crucificam o Filho de Deus e O expõe a
vilipêndios" (Hb 6, 6). E se por causa também dos nossos
pecados futuros, por Ele previstos, a alma de Cristo padeceu aquela tristeza de
morte, não há dúvida de que algum consolo Cristo recebeu também de nossa
futura, mas também prevista, reparação, quando "o anjo do céu Lhe apareceu"
(Lc 22, 43) para consolar seu Coração oprimido de tristeza e
angústias. Por isso, podemos e devemos consolar aquele Coração Sacratíssimo,
incessantemente ofendido pelos pecados e pelas ingratidões dos homens, por este
modo admirável, mas verdadeiro, pois, como se diz na Sagrada Liturgia, o mesmo
Cristo, pelos lábios do salmista, se queixa a seus amigos de ter sido
abandonado: "Impropério e miséria esperou meu coração: e busquei quem
compartilhasse da minha tristeza e não houve ninguém; busquei quem me consolasse
e não encontrei" (Sl 69, 21).
Acrescenta-se que a Paixão expiatória de Cristo se renova e, de certo modo,
continua e se completa em seu Corpo Místico, que é a Igreja, já que,
servindo-nos outra vez das palavras de Santo Agostinho ( In Ps.,
86), "Cristo padeceu quanto devia padecer, e nada falta à medida de sua
Paixão. A Paixão, pois, está completa, mas na Cabeça; faltava ainda a
Paixão de Cristo no Corpo". Nosso Senhor mesmo se dignou declará-lo
quando, ao aparecer a Saulo, "que respirava ameaças e morte contra o
discípulos" (At 9, 1), lhe disse: "Eu sou Jesus, a quem
persegues" (At 9, 5), significando claramente que nas
perseguições contra a Igreja é a Cabeça divina da Igreja a quem se atinge e
impugna. E isso com razão, porque Jesus Cristo, que ainda padece em seu Corpo
Místico, deseja ter-nos por sócios na expiação, e isto no-lo exige nossa
própria incorporação a Ele: pois sendo como somos "corpo de Cristo e cada
um, de sua parte, é um dos seus membros" (1Cor 12, 27), é
necessário que o que padece a Cabeça, padeçam-no com Ela os seus membros
(cf. 1Cor 12, 26).
Quão necessárias sejam, especialmente em nossos tempos, a expiação e a
reparação, é coisa clara a quem olhe e contemple este mundo que, como dissemos
no início, "está sob poder do mal" ( 1Jo 5, 19). De
todas as partes chega a Nós o clamor de povos que gemem, cujos príncipes ou
governantes se congregaram e conspiraram juntos contra o Senhor e sua Igreja
(cf. Sl 2,2). Por essas regiões vemos atropelados todos os
direitos divinos e humanos; demolidos e destruídos os templos, os religiosos e
as religiosas expulsos de suas casas, afligidos com ultrajes, tormentos,
cárceres e fome; multidões de meninos e meninas arrancadas do seio da
Madre Igreja e induzidos a renunciar e blasfemar contra Jesus Cristo e a
cometer também os mais horrendos crimes da luxúria; todo o povo cristão
duramente ameaçado e oprimido, colocado a todo instante em ocasião de, ou
apostatar da fé, ou padecer uma terrível morte. Tudo isso é tão triste que
nestes acontecimentos parece prenunciar-se "o princípio daquelas
dores" que precederiam "o homem de pecado que se levanta contra tudo
o que se chama Deus ou é cultuado" (2Ts 2, 4).
E ainda é mais triste, veneráveis irmãos, que entre os próprios fiéis, lavados
no Batismo com o sangue do Cordeiro Imaculado e enriquecidos com a graça, haja
tantos homens de toda classe que, com inacreditável ignorância das coisas
divinas e envenenados de falsas doutrinas, vivem longe da casa do Pai uma vida
repleta de vícios; uma vida, pois, não iluminada pela luz da verdadeira fé, nem
reconfortada pela esperança da felicidade futura, nem aquecida e fomentada pelo
calor da caridade, de modo que eles parecem verdadeiramente jazer na escuridão
e na sombra da morte. Ademais, aumenta cada vez mais entre os fiéis a
negligência da disciplina eclesiástica e daquelas antigas instituições em que toda
a vida cristã se funda e pela qual a sociedade doméstica é governada e se
defende a santidade do matrimônio; totalmente menosprezada ou depravada
com lisonjas de bajulação a educação das crianças, até mesmo negado à Igreja o
poder de educar a juventude cristã; o esquecimento deplorável da modéstia
cristã na vida e principalmente no vestido da mulher; a cobiça desenfreada
das coisas perecíveis, o desejo desproporcional das honrarias mundanas; a
difamação da autoridade legítima e, finalmente, o desprezo da palavra de Deus,
de maneira que a fé é destruída ou é posta à beira da ruína.
Formam o cúmulo destes males tanto a preguiça e a negligência dos que, dormindo
ou fugindo como os discípulos, vacilantes na fé, miseravelmente desamparam a
Cristo oprimido de angústias e rodeado dos sequazes de Satanás, quanto a
deslealdade dos que, à imitação do traidor Judas, ou temerária e sacrilegamente
comungam, ou desertam para os acampamentos inimigos. Deste modo,
inevitavelmente se nos apresenta ao espírito a ideia de que se aproximam os
tempos preditos por Nosso Senhor: "E, ante o progresso crescente da
iniquidade, a caridade de muitos se esfriará" ( Mt 2,
24). [...]
Ato
de Reparação ao Sacratíssimo Coração de Jesus
Dulcíssimo
Jesus, cuja infinita caridade para com os homens é por eles tão ingratamente
correspondida com esquecimentos, friezas e desprezos, eis-nos aqui prostrados
na Vossa presença, para Vos desagravarmos, com especiais homenagens, da
insensibilidade tão insensata e das nefandas injúrias com que é de toda parte
alvejado o Vosso amorosíssimo coração.
Reconhecendo, porém, com a mais profunda dor, que também nós mais de uma vez
cometemos as mesmas indignidades, para nós, em primeiro lugar, imploramos a
Vossa misericórdia, prontos a expiar não só as próprias culpas, senão também as
daqueles que, errando longe do caminho da salvação, ou se obstinam na sua
infidelidade, não Vos querendo como pastor e guia, ou, conculcando as promessas
do batismo, sacudiram o suavíssimo jugo da Vossa santa lei.
De todos estes tão deploráveis crimes, Senhor, queremos nós hoje
desagravar-Vos, mais particularmente da licença dos costumes e imodéstia do
vestido, de tantos laços de corrupção armados à inocência, da violação dos dias
santificados, das execrandas blasfêmias contra Vós e Vossos Santos, dos
insultos ao Vosso Vigário e a todo o Vosso clero, do desprezo e das horrendas e
sacrílegas profanações do Sacramento do divino amor e, enfim, dos atentados e
rebeldias das nações contra os direitos e o Magistério da Vossa Igreja.
Oh! Se pudéssemos lavar com o próprio sangue tantas iniqüidades!
Entretanto, para reparar a honra divina ultrajada, Vos oferecemos, juntamente
com os merecimentos da Virgem Mãe, de todos os santos e almas piedosas, aquela
infinita satisfação, que Vós oferecestes ao eterno Pai sobre a cruz, e que não
cessais de renovar todos os dias sobre nossos altares.
Ajudai-nos Senhor, com o auxílio da Vossa graça, para que possamos, como é
nosso firme propósito, com a vivência da fé, com a pureza dos costumes, com a
fiel observância da lei e caridade evangélicas, reparar todos os pecados
cometidos por nós e por nosso próximo, impedir, por todos os meios, novas
injúrias de Vossa divina Majestade e atrair ao Vosso serviço o maior número de
almas possíveis.
Recebei, ó benigníssimo Jesus, pelas mãos de Maria santíssima reparadora, a
espontânea homenagem deste nosso desagravo, e concedei-nos a grande graça de
perseverarmos constantes, até à morte, no fiel cumprimento de nossos deveres e
no Vosso santo serviço, para que possamos chegar todos à pátria bem-aventurada,
onde Vós com o Pai e o Espírito Santo viveis e reinais por todos os séculos dos
séculos.
Amém.
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