Uma introdução à Mariologia
A ORAÇÃO CRISTÃ só pode chegar até Deus no caminho
que Ele
próprio preparou. Do contrário, ela sairia do mundo em direção ao
vazio, e cairia na tentação de tomar esse vazio por Deus, ou tomaria
por Deus o
próprio Nada. Deus não é um objeto mundano, mas não
é, tampouco, um objeto
supra-mundano que pode ser perseguido
e conquistado em alguma espécie de viagem
espacial do espírito,
após uma preparação técnica adequada. Ele é a Liberdade
infinita,
que se torna acessível unicamente por sua própria iniciativa. Na
medida em que Ele não apenas nos dirige sua Palavra, mas permite
que ela habite
entre nós, essa Palavra passa a ser não apenas a
Palavra que vem de Deus, mas
também aquela que a Ele retorna.
O atalho entre Deus e nós, homens, foi aberto
nas duas direções:
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida”; “Eu vim como luz ao
mundo;
assim, todo aquele que crer em mim, não ficará nas trevas” (Jo 14,6;
12,46). Mas de que modo chegou até nós o “Caminho”? Como a
“Luz”
nos invadiu e a “Palavra” habitou entre nós? Pois isso teria de
acontecer,
para que pudéssemos nos estabelecer em um caminho para Deus
acessível aos homens. Se assim não fosse, a Luz teria apenas
brilhado nas
trevas e estas não a teriam percebido; a Luz teria vindo
sobre o que é seu –
pois o mundo, com efeito, pertence a Deus –, mas
os seus não a teriam acolhido.
Alguém teria de acolher a
Palavra incondicionalmente, e de um modo tão pleno
que nela se
abrisse um espaço para que a própria Palavra se tornasse um
homem,
da mesma forma que um filho encontra espaço em uma mãe.
Essa mãe, que se abre e se oferece totalmente à
Palavra de Deus, não
somos nós: nenhum de nós diz a Deus o “Sim” incondicional.
Por isso,
o “sim” perfeito nos é, a priori, inatingível. E, no entanto, ele é
uma das condições exigidas para que a Palavra de Deus realmente
chegue até nós
e se torne o Caminho que pode ser percorrido por nós,
homens. Em um coração que
se decidisse por Deus apenas pela
metade, Ele não teria conseguido se fazer
carne, pois o filho é
essencialmente dependente da sua mãe; ele se nutre de sua
substância
físico-espiritual e é educado a se tornar um verdadeiro e fecundo
ser
humano. A precedência da Mãe, que faz parte do estabelecimento do
Caminho
entre Deus e nós, não significa o seu isolamento, mas a
abertura da
possibilidade de que também nós nos tornemos capazes
de dizer “sim”, de que a
Palavra também chegue até nós, e de que
nós, nEla, cheguemos a Deus.
“Bem-aventurado o ventre que te trouxe,
e os peitos que te amamentaram!”
“Antes, bem-aventurados aqueles
que ouvem a palavra de Deus e a observam” (Lc
11,27-28). “Aquele
que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e
minha
mãe” (Mc 3,35).
A permanente precedência de Maria é o fundamento da
nossa participa-
ção. A comunidade, que une Deus e a humanidade nela, Maria, na
medida em que Ele se torna um filho humano, é a base de uma comu-
nidade que nos
une entre nós, enquanto filhos de Deus, e que chama-
mos de Igreja. A Mãe é a
premissa perene, a fonte, a plena realização
da Igreja, da qual podemos
participar – se assim o desejarmos – como
aqueles que estão a caminho do “sim”
pleno, e de seu enraizamento em
toda a nossa existência. Sendo assim, nós, os
incompletos, podemos e
devemos dizer àquela que já está completa, e que nos
conduz e atrai
para a sua completude: Ave Maria. Não, porém, como se a
separásse-
mos do seu Filho: ela é apenas a resposta [Antwort]; Ele é a Palavra
[Wort].
O evento entre o Filho e a Mãe constitui o centro
do evento da reden-
ção, que não pode jamais perder seu caráter de atualidade,
uma
vez que a autorrevelação graciosa de Deus acontece sempre aqui e
agora, seu
fluxo jamais se afasta da fonte. Quem quiser participar,
tem de mergulhar nessa
fonte, no seu inesgotável mistério, de que a
Palavra de Deus tenha realmente se
mostrado a nós, que ela realmente
tenha sido recebida entre nós e entre nós
habitado, e que ela não
tenha voltado para Deus sozinha, mas junto conosco. O
que isso
significa nós podemos vislumbrar no relacionamento entre essa Criança
e essa Mãe. Ela se coloca inteiramente à disposição da Palavra, para
que esta
possa se fazer carne a partir dela, carne da sua carne.
Porém, na medida em que
essa Criança cresce, e entrega sua carne
divina para a reconciliação do mundo
com Deus, oferecendo-se como
alimento eucarístico para todos os que recebem a
Palavra na fé, ela
atrai aquele que a recebe para sua própria carne, em
primeiro lugar
sua Mãe, modelo e origem da Igreja. Ambos, Cristo e
Maria-Igreja,
são, portanto, “uma só carne”, um “Corpo”, em um acontecimento
pleno de reciprocidade: primeiramente, é Cristo quem recebe a carne
terrena de
Maria, e, em seguida, é Maria-Igreja quem se torna parti-
cipante de sua carne
celestial. Maria é a “Bendita entre as mulheres”
apenas porque, enquanto Mãe,
coloca sua carne à disposição da encar-
nação da Palavra, mas isso é apenas o
prelúdio para aquilo que vem a
seguir, “Bendito é o fruto do vosso ventre,
Jesus”, que produziu a res-
posta da carne terrena, a resposta de Maria-Igreja, e
continua a produ-
zi-la na Eucaristia; também de nossa parte, os membros do
Corpo,
que, de acordo com a pureza e plenitude do nosso “sim”, podemos tam-
bém
nos tornar seus membros fecundos, tornado-nos um colo acolhedor.
Podemos, então, juntamente com o anjo enviado por
Deus, saudar
Maria e, em seguida, com Isabel, bendizê-la, pois “Deus está com
ela”;
com isso, podemos rezar junto com a própria Maria, em sua resposta à
Palavra divina, em seu “Sim”, não mais nos dirigindo a ela, mas, com
ela, a
Deus. A “Ave-Maria” é um exercício e uma integração na
oração mariana/eclesial.
Mesmo a oração litúrgica oficial da Igreja –
aberta ou veladamente, consciente
ou inconscientemente – é sempre
oração mariana. Apesar disso, aqui embaixo
jamais atingimos a
perfeição de Maria – enquanto condição constitutiva para o
Caminho,
que é Cristo, ela não é apenas exemplo, mas o protótipo original.
Por
isso, podemos sempre pedir sua intercessão: “agora e na hora
de nossa morte”,
ou seja, em cada momento da nossa vida, durante
a qual permanecemos tentando
sem jamais chegar ao êxito pleno, e
naquela hora em que somos, forçadamente,
levados ao caminho de
Deus, àquela passagem amarga e abençoada em que nós, pelo
bem
ou pelo mal, “como que através do fogo”, teremos de aprender o “sim”
perfeito. Nós vivemos para essa hora, para ela exercitamos nossa fé.
E se Maria
não exercitou o seu “sim”, senão como orante, muito menos
ainda seremos nós
capazes de realizar o nosso “sim” com as nossas
próprias forças, mas teremos de
nos remeter, agradecidos, a ela, que
pôde verdadeiramente realizá-lo. É por
essa razão que se pode sempre,
após o final da saudação – “agora e na hora de
nossa morte, amém”
–, recomeçar imediatamente, desde o início – “Ave, Maria”.
Fonte: O FIEL CATÓLICO